A recente sinalização do presidente dos EUA, Donald Trump, quanto à imposição de tarifas de até 50% sobre produtos importados do Brasil reacende uma importante discussão jurídica: o impacto de medidas inesperadas na dinâmica contratual, especialmente em cadeias longas de fornecimento e distribuição.
Se implementada, a elevação abrupta de tarifas pelos EUA pode desencadear um verdadeiro “efeito dominó” nos contratos nacionais e internacionais. Essa guerra tarifária, que possibilita, inclusive, a adoção de medidas de reciprocidade pelo governo brasileiro, se vier a ser implementada, pode impactar e alguns casos já vem impactando, fabricantes, distribuidores, importadores e exportadores que poderão enfrentar um aumento repentino nos seus custos ou forte obstáculo à competitividade de seus produtos, que se propagarão ao longo da cadeia produtiva de um dado setor, provavelmente impactando e onerando uma das partes contratantes.
Nesse cenário e no âmbito nacional, ganha relevo a aplicação da “Teoria da Imprevisão” ou “Teoria da Excessiva Onerosidade”, prevista no art. 478 do Código Civil. Essa teoria permite, em caráter excepcional, a revisão ou até a resolução de contratos, especialmente de execução continuada ou diferida, quando uma das partes for surpreendida por fato superveniente, extraordinário e imprevisível, que torne sua obrigação excessivamente onerosa.
A jurisprudência brasileira tem sido criteriosa quanto à aplicação da teoria, exigindo a demonstração concreta dos seus requisitos — inclusive nos contratos empresariais, em que se presume maior grau de sofisticação das partes e alocação prévia de riscos. Ainda assim, admite-se a revisão contratual quando verificado desequilíbrio relevante que comprometa a base objetiva do negócio e afronte os princípios da boa-fé e da função social do contrato.
Importa ressaltar que a variação cambial ou a instabilidade econômica, por si sós, normalmente não justificam a aplicação da teoria (STJ: REsp 936741/GO; AgRg no REsp 1518605/MT). Contudo, eventos geopolíticos abruptos — como embargos, guerras ou medidas protecionistas excepcionais — podem configurar hipóteses de desequilíbrio contratual legítimo, sobretudo se seus efeitos extrapolarem o risco ordinário do setor.
Dessa forma, diante da possível manutenção ou, ainda pior, adoção de novas barreiras comerciais, é recomendável que as empresas acompanhem os desdobramentos com atenção e revisitem suas relações contratuais, especialmente aquelas com obrigações futuras pactuados com prazos longos ou forte dependência de importação/exportação.
Questões como reequilíbrio econômico-financeiro, onerosidade excessiva, inadimplemento, rescisão contratual etc. certamente tomarão por base as circunstâncias e o momento em que os contratos foram celebrados, na medida em que a instabilidade geopolítica e guerra tarifária já não poderia ser alegada como imprevisível.
Os custos contratuais têm início e são incorridos muito antes do cumprimento de uma dada obrigação por uma das partes do contrato e a sua ruptura implicará, para ela, prejuízos que podem não ser remediados, dada a eventual impossibilidade de destinação de sua produção a outros parceiros comerciais.
Ainda que com reflexos diretos nas relações internacionais, não se pode desconsiderar os efeitos internos que a guerra tarifária pode e deve gerar, na medida em que impacta toda a cadeia produtiva em que uma dada empresa que atua no comércio internacional estiver inserida.
Até porque, a aplicação ou não da teoria da imprevisão dependerá da lei que rege o contrato, já que sistemas jurídicos distintos podem tratar de forma diferente a revisão contratual. Em negócios internacionais, portanto, essa análise exige atuação de áreas jurídicas especializadas. De todo modo, a análise do risco contratual à luz da imprevisão jurídica pode se revelar uma medida estratégica para a mitigação de litígios futuros.
Paulo Bezerra de Menezes Reiff – paulo@reiff.com.br
Raphael Henrique Figueiredo de Oliveira – r.figueiredo@reiff.com.br