A crescente presença de grafites em espaços públicos tem gerado controvérsias sobre os limites da proteção autoral diante de sua representação em conteúdos audiovisuais. Discute-se se é necessária autorização do autor para uso incidental dessas obras.
Nesse contexto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial nº 2.174.943/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em que se discutia a caracterização de violação a direitos autorais decorrente da utilização, sem autorização, de grafite situado em logradouro público como pano de fundo de vídeo publicitário da plataforma TikTok.
A controvérsia consistia em determinar se a representação audiovisual de grafite urbano, ainda que indireta e acessória, realizada sem prévia autorização do autor, poderia ensejar responsabilidade civil por violação de direito autoral, à luz da Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais) e da Convenção de Berna.
No caso concreto, o recorrente, artista responsável por obra plástica instalada em espaço público (Beco do Batman – SP), alegava ofensa aos seus direitos patrimoniais e morais de autor pela ausência de consentimento e de identificação na peça publicitária veiculada digitalmente.
A Turma, no entanto, manteve o entendimento das instâncias ordinárias, que julgaram improcedente a pretensão indenizatória, por reconhecerem que a obra foi exibida de forma meramente incidental e acessória, sem exploração comercial direta ou prejuízo injustificado ao autor.
A decisão baseou-se principalmente no art. 48 da LDA, que permite a livre representação de obras situadas permanentemente em logradouros públicos, por meio de pinturas, fotografias ou procedimentos audiovisuais, desde que respeitadas três condições cumulativas: a representação não afete a exploração normal da obra; não cause prejuízo injustificado aos interesses do autor; não esteja voltada à exploração eminentemente comercial da obra.
O STJ entendeu que tais requisitos foram atendidos, pois: a obra foi captada como elemento paisagístico, sem destaque ou centralidade na filmagem; não houve prova de exploração econômica específica da obra em si; o vídeo tinha como foco principal a performance de um dançarino, e não o grafite retratado.
A Corte também enfatizou que a interpretação extensiva da proteção autoral não pode suprimir a exceção legal prevista pelo art. 48 da LDA, que decorre da regra dos “três passos” da Convenção de Berna, internalizada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O julgamento reafirma a jurisprudência da Terceira Turma no sentido de que a exibição não destacada de obras de arte urbana em peças audiovisuais não configura, por si, contrafação. Esse entendimento já havia sido adotado no REsp 1.746.739/SP, também relatado pelo Ministro Villas Bôas Cueva.
Paulo Bezerra de Menezes Reiff – paulo@reiff.com.br
Raphael Henrique Figueiredo de Oliveira – r.figueiredo@reiff.com.br