A ampliação dos julgamentos em ambiente virtual, impulsionada por demandas de celeridade e modernização do Judiciário, tem gerado discussões sobre a compatibilidade entre essas formas de julgamento e as garantias fundamentais do processo, notadamente a ampla defesa e o pleno exercício das prerrogativas profissionais da advocacia.
Uma dessas discussões envolve a possibilidade — ou não — de realização de sessões de julgamento virtual durante o recesso forense, período reservado à suspensão da atividade forense ordinária.
Diante dessa controvérsia, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgou, por unanimidade, o RESP-2125599-2025-06-06, reconhecendo a nulidade de acórdão proferido em sessão virtual realizada entre os dias 18 e 20 de janeiro — ou seja, ainda durante o recesso forense previsto no art. 220, § 2º, do Código de Processo Civil.
Embora se trate de julgamento em ambiente eletrônico e assíncrono, o STJ entendeu que, mesmo nessa modalidade, a realização de atos judiciais no referido período viola o direito das partes de acompanhar plenamente a atividade jurisdicional e ofende a legítima expectativa de repouso assegurada aos advogados.
Sobre o julgamento assíncrono: é uma forma de julgamento virtual em que os ministros ou desembargadores analisam e votam nos processos eletronicamente, cada um em seu tempo, dentro de um prazo previamente definido. Diferentemente do julgamento presencial ou virtual por videoconferência (em tempo real), no julgamento assíncrono não há sessão simultânea nem debate oral entre os julgadores ou com os advogados.
No caso, o recorrente sustentava que a prática processual ocorrida durante o recesso comprometeu seu direito de defesa, por inviabilizar o envio tempestivo de memoriais e sustentação oral na apelação que versava sobre relevante controvérsia de natureza patrimonial. A decisão recorrida havia afastado a nulidade sob o argumento de que a regra legal não se aplicaria ao julgamento virtual.
O STJ, no entanto, adotou orientação diversa, destacando que a vedação legal à realização de sessões de julgamento no período do recesso incide independentemente da modalidade (presencial ou virtual), justamente por ter como fundamento a proteção à atuação regular da advocacia.
A Corte reconheceu o prejuízo efetivo à parte, uma vez que a ausência de ciência prévia sobre a pauta e a impossibilidade prática de intervir no julgamento configuraram limitação concreta ao contraditório e à participação técnica de seu procurador. O acórdão foi cassado e determinado novo julgamento fora do recesso forense, em formato a ser definido pela instância de origem.
A decisão representa relevante afirmação institucional do papel da advocacia no processo judicial, reafirmando que o avanço tecnológico na prestação jurisdicional não pode comprometer o núcleo essencial das garantias processuais.
Ao reconhecer a nulidade da sessão virtual realizada em período legalmente reservado à inatividade forense, o STJ assegura um ponto de equilíbrio entre eficiência e legitimidade, preservando o direito de defesa e a função garantidora dos advogados no sistema de justiça.
Paulo Bezerra de Menezes Reiff – paulo@reiff.com.br
Raphael Henrique Figueiredo de Oliveira – r.figueiredo@reiff.com.br