A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial n. 2.072.867/MA, afetado como Tema Repetitivo 1.267, firmou entendimento a respeito da atuação do juiz de primeiro grau diante da interposição de apelação. A tese firmada uniformiza a interpretação do § 3º do art. 1.010 do CPC e orienta os tribunais quanto à medida processual cabível nas hipóteses de negativa de seguimento da apelação pelo juízo de primeiro grau.
Segundo o STJ, o juízo de primeiro grau não detém competência para inadmitir o recurso de apelação, devendo, após a apresentação das contrarrazões (e eventualmente da apelação adesiva), remeter os autos ao tribunal competente, sem proceder a juízo de admissibilidade. A omissão dessa remessa, com a retenção do recurso no primeiro grau, configura, nos termos do acórdão, usurpação de competência do tribunal, violando o art. 1.010, § 3º, do CPC.
No julgamento, foram fixadas três teses jurídicas principais:
- O juízo de primeiro grau não pode obstar o seguimento da apelação. Se o fizer, incorre em violação ao § 3º do artigo 1.010 do CPC, pois essa atuação representa indevida usurpação da competência do tribunal. Nessa hipótese, a reclamação prevista no artigo 988, inciso I, do CPC é o meio processual adequado para impugnar a decisão.
- Nos casos em que a negativa de seguimento à apelação ocorrer na fase de execução, cumprimento de sentença ou inventário, admite-se a interposição de agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.
- Modulação dos efeitos da decisão: até a publicação do acórdão relativo ao Tema 1.267, admite-se, de forma excepcional e com base no princípio da fungibilidade recursal, o recebimento da correição parcial, agravo de instrumento (caput do art. 1.015 do CPC) ou mandado de segurança, como se reclamação fosse, desde que não tenha ocorrido o trânsito em julgado da decisão.
O STJ reafirmou que o atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) eliminou o juízo de admissibilidade prévio da apelação pelo juízo de primeira instância, conferindo essa competência exclusivamente ao tribunal. Assim, qualquer decisão que negue seguimento à apelação em primeiro grau — salvo hipóteses excepcionais legalmente previstas de retratação — deve ser considerada inválida por afrontar a sistemática recursal estabelecida pelo CPC/2015.
Ao sistematizar as medidas cabíveis, o STJ concluiu que a reclamação é a via adequada quando há usurpação de competência do tribunal, nos termos do art. 988, I, do CPC. No entanto, reconheceu que a jurisprudência anterior apresentava divergência quanto à medida impugnativa cabível — o que justificou a modulação dos efeitos da decisão e o acolhimento da fungibilidade recursal até a uniformização da interpretação.
No caso concreto julgado pela Corte, o STJ deu provimento ao recurso especial para determinar que a correição parcial fosse recebida como reclamação, com o consequente prosseguimento do recurso de apelação.
O julgamento do Tema 1.267/STJ uniformiza a interpretação do sistema recursal à luz do CPC/2015 e delimita as vias processuais disponíveis para impugnação de decisões que obstruem o regular encaminhamento da apelação. O precedente passa a ter efeito vinculante para os tribunais de segunda instância, nos termos do artigo 927, inciso III, do CPC.
Paulo Bezerra de Menezes Reiff – paulo@reiff.com.br
Raphael Henrique Figueiredo de Oliveira – r.figueiredo@reiff.com.br