A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, afetar o Recurso Especial n. 2.163.773/SP ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do CPC. A controvérsia delimitada consiste em definir se a vaga de garagem com matrícula própria constitui bem de família para fins de penhora, à luz do art. 1.331, § 1º[1], do Código Civil.
O julgamento foi conduzido pela relatora, Ministra Maria Isabel Gallotti, que destacou a relevância jurídica e a multiplicidade de decisões sobre o tema nos tribunais superiores, inclusive com aparente tensionamento entre a Súmula 449 do STJ e a alteração legislativa promovida pela Lei 12.607/2012.
O recurso especial foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a penhora de vagas de garagem e escaninho com matrículas próprias, por entender que tais bens não seriam abrangidos pela impenhorabilidade do bem de família, ainda que vinculados ao imóvel residencial principal.
Os recorrentes alegaram violação ao art. 1º da Lei 8.009/90 e ao § 1º do art. 1.331 do Código Civil, sustentando que os bens acessórios à moradia familiar deveriam ser protegidos pela regra de impenhorabilidade, especialmente diante da limitação legal à alienação de vagas de garagem a terceiros estranhos ao condomínio (incluída pela Lei 12.607/2012).
O STJ possui jurisprudência consolidada no sentido da possibilidade de penhora da vaga de garagem com matrícula própria, inclusive quando vinculada a imóvel residencial considerado bem de família, conforme a Súmula 449, segundo a qual “a vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora”.
Contudo, a Corte reconheceu que a alteração do art. 1.331, § 1º, do Código Civil, que restringiu a alienação das vagas a pessoas estranhas ao condomínio sem autorização expressa, pode justificar a revisão ou atualização da tese jurisprudencial consolidada. Por esse motivo, entendeu-se pertinente submeter a matéria ao rito dos precedentes qualificados.
A Ministra Gallotti também ressaltou que a afetação atende aos critérios do art. 1.036 do CPC, dada a existência de múltiplos recursos com fundamento idêntico, o potencial impacto social e jurídico da controvérsia e a necessidade de uniformizar a interpretação nos tribunais de origem.
Com a afetação, foi determinada a suspensão nacional de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial que tratem da mesma questão jurídica (art. 1.037, II, do CPC), além da comunicação a tribunais e órgãos interessados.
O julgamento de mérito do Tema Repetitivo definirá se a vedação à alienação a terceiros estranhos, prevista no art. 1.331, § 1º, poderá alterar a natureza jurídica da vaga de garagem para fins de penhora, ou se prevalecerá o entendimento anterior segundo o qual sua autonomia registral exclui o bem da proteção legal.
[1] CC: Art. 1.331. […] § 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
Paulo Bezerra de Menezes Reiff – paulo@reiff.com.br
Raphael Henrique Figueiredo de Oliveira – r.figueiredo@reiff.com.br